Poesias de Manoel Filó

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A VINDA DA CHUVA

Quando vem a primeira trovoada
A magia do verde enfeita os montes
A espuma de sapo pelas fontes
Pinta um quadro na margem da estrada
A fumaça da broca mal queimada
Forma torre num vácuo da colina
As aranhas espalham serpentina
Na ramagem do bosque mais deserto
Seu projeto tem tudo pra dar certo
Uma loja de renda de campina

Um besouro enfeitado de metal
Apresenta seu quadro pitoresco
Revirando um cocô ainda fresco
Desprezado no canto de um curral
Uma farda de gala especial
Ele exibe depois da trovoada
Sua túnica brilhosa e desenhada
É bonita, perfeita e é moderna
Só retorno ao destino da caserna
Quando deixa a comida preparada.

EU NÃO TENHO PORQUE SENTIR SAUDADE
DE UMA INFÂNCIA QUE NUNCA DESFRUTEI

Minha infância foi só uma passagem
Recheada de angústia e pesadelos
Junto aos manos um bando de camelos
Resistindo a missão de uma viagem
Quando às vezes me sinto sem coragem
Foi a carga de lutas que enfrentei
Na verdade, do mundo só lucrei
O capricho de andar com a verdade
Eu não tenho porque sentir saudade
De uma infância que nunca desfrutei.

TODO DIA MUDA A COR
DO QUADRO DA MINHA VIDA

Preso a forte nervosismo
Sinto duras agressões
Me tangendo aos empurrões
Para os confins do abismo
Por falha no organismo
Meu coração já trepida
Minha mente poluída
Passa um filme de terror
Todo dia muda a cor
Do quadro da minha vida.

Para os trabalhos normais
Me considero indefeso
Ontem suspendi um peso
Que hoje não posso mais
Já demonstrando os sinais
Duma coluna pendida
Que só será corrigida
Se a idade também for
Todo dia muda a cor
Do quadro da minha vida.

Eu nunca consegui ter
Um palacete encantado
Mas mesmo sacrificado
Sempre gostei de viver
Só não acertei fazer
Uma tinta garantida
Que sempre, ao ser removida
Desse o brilho anterior
Todo dia muda a cor
Do quadro da minha vida.

Como a velhice é malvada
Perto do fim da viagem
Me atrapalhando a miragem
Nos grutilhões da jornada
Já vou minguando a passada
Igual a onça ferida
Que aceita ser socorrida
Pelo monstro caçador
Todo dia muda a cor
Do quadro da minha vida.

Raramente vou à missa
Quando volto, é sem coragem
Que mesmo curta a viagem
Gera cansaço e preguiça
A dentadura postiça
Me deixa a fala espremida
Até a própria comida
Desequilibra o sabor
Todo dia muda a cor
Do quadro da minha vida.

Meus tempos de mocidade
Deus não consente voltar
Eu não consigo passar
Sem ser vítima da saudade
Com o pincel da idade
Minha pele foi tingida
A feição diminuída
Como o verão faz na flor
Todo dia muda a cor
Do quadro da minha vida.

Nos tempos da meninice
Comecei pagando um ágio
Não me livrei dum naufrágio
No temporal da velhice
Tudo que o mundo me disse
Teve a verdade medida
O sol da minha partida
Já vai perto de se pôr
Todo dia muda a cor
Do quadro da minha vida.

Fonte: As Curvas do Meu Caminho
Editora e Gráfica Franciscana - 2004


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